quarta-feira, 3 de novembro de 2010

A vida em um aquário

Ao entrar em casa, olhou para o relógio: Oito e trinta e cinco da noite. Colocou o molho de chaves sobre a televisão e sentou-se no sofá com as mãos no cabelo e os olhos voltados para o chão. Em sua cabeça vivia uma ciranda de pensamentos derrotistas. – Há de ser assim! Pronto, viremos mais essa página nessa merda desse livro da minha vida! - Dizia ele em pensamento para si mesmo. Não queria acreditar que aquela que ele havia transformado em santa imaculada houvesse negado os seus afagos, ninguém em seu lugar acharia justo, ele esteve disposto a devotar sua vida a ela. Ganhou mais uma amiga.
Levantou-se, foi até a cozinha e engoliu um gole d’água, o fez com uma tristeza que até então não existia em goles d’água. Quando já caminhava de volta ao sofá resignado a remoer aquela fossa, o telefone tocou. Era ela. Um, dois, três toques... Segundos vividos por ele como milênios. Relutou com todas as suas forças para não atender. Quarto toque. Ele atendeu.
- Alô. – Uma palavra parida.
- Oi, posso falar com você?
- Por que você está me ligando?
- Posso ou não posso falar com você?
Não. Ela não tinha o direito de interromper a agonia dele, era a única coisa que ele tinha de legítimo. Mas como todo e qualquer covarde, ele fraquejou na hora certa.
- Pode. – Ele havia esquecido todas as outras palavras.
- Eu te devo desculpas?
- Eu é que decido isso?
- ...
- ...
- Quero que você saiba, que gosto muito de você. De verdade! Mas talvez não da forma que você interpretou. Me sinto bem ao seu lado, mas não como sua mulher.

Sua mulher. Que expressão para ser usada naquele momento.

Gosta de mim como seu terapeuta, o ursinho que você conversa antes de dormir. Como não pode carregá-lo com você o dia todo, gasta algum tempo comigo, não? – Pensou ele.
- Entendo. – Disse ele. Seguido do silencio mais profundo que já existiu.
- Bom... Então tá. Tenho que desligar. Beijo. – Disse em uma mistura de constrangimento e Comiseração.
- Tchau... – Esperando que essa fosse a ultima palavra direcionada a ela.
Ela desligou o telefone. Ele escutou por alguns segundos o som do telefone como se fosse parte da conversa. Olhou para o aquário que tinha em sua sala, onde havia apenas um peixe. Olhou seus CDs, seus livros... Olhou para as paredes... Aquele era o seu aquário.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Tempo e espaço

Ele vinha caminhando pela calçada, distraído. Era uma terça feira comum. A rua estava movimentada, muita gente passando, indo trabalhar, estudar, vagabundear, fazer compras, fazer vendas, todo o tipo de coisas que as pessoas fazem em uma terça feira. Alberto havia saído de casa cedo para pagar algumas contas. Não gostava de fazer a barba. Acordava cedo, preparava o café, tomava banho e saia. Sua mulher não incentivava essa prática. Mas com os anos de convivência aprendeu a suportar. Era um bom homem. Gostava de cachorros, livros, música, bebia moderadamente e não falava da vida alheia.
Alberto havia passado em um bar para comprar cigarros. A moça não tinha troco e deu a ele um chiclete no lugar de uma moeda de cinco centavos. Ele tinha uma certa antipatia inexplicável contra chicletes. Mas na falta da bendita moeda, aceitou. Guardou no bolso e seguiu. Na esquina um homem de calça jeans, paletó, gravata e uma cara de quem estava fazendo algo muito importante o entregou um folheto. “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundancia. (João 10.10b)” Dizia o folheto. Alberto não sabia se acreditava em Deus, não havia tido tempo para se questionar sobre esse assunto.
“Será que esse cara tem emprego, família?” Pensou Alberto.
Ainda andando e de cabeça baixa ele continuou a ler o folheto. Olhou para os lados para atravessar, o semáforo marcava sinal amarelo e um carro vinha em sua direção. “Da tempo.” Pensou Alberto. E apressou o passo em uma quase corrida.
Não deu tempo.