sexta-feira, 18 de março de 2011

Agora já não sei se o que obedeço, são minhas necessidades ou as vontades. Apenas corro e faço de tudo algo urgente. Como o seu abraço tão distante, que nasceu desejo e hoje se faz necessário. Eu acordei e pensei que deveria te ligar pra dizer tudo o que sinto, mas eu não sei o que sinto. E também seria egoísta de minha parte te acordar pra dizer algo que não sei.

domingo, 30 de janeiro de 2011

A velha da praça

Respirou fundo, passou a ponta do dedo na ponta da língua e virou a pagina. Já fazia automaticamente esse movimento, há alguns meses lia e relia o mesmo livro de poemas que um dia encontrou em um sebo. Mesmo sem nunca ter ouvido falar do autor, resolveu comprar. Ao sair com o volume nas mãos pensou: “Nunca é tarde pra se conhecer algo novo.”
Todos os dias, acordava cedo, não tinha a quem dar bom dia, não tinha muita fome, gostava de café e de respirar, vestia sempre roupas parecidas, caminhava firme e lúcida pelo bairro silencioso até a praça. Onde se sentava e lia e relia sozinha, o seu velho novo livro de poemas.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

A vida em um aquário

Ao entrar em casa, olhou para o relógio: Oito e trinta e cinco da noite. Colocou o molho de chaves sobre a televisão e sentou-se no sofá com as mãos no cabelo e os olhos voltados para o chão. Em sua cabeça vivia uma ciranda de pensamentos derrotistas. – Há de ser assim! Pronto, viremos mais essa página nessa merda desse livro da minha vida! - Dizia ele em pensamento para si mesmo. Não queria acreditar que aquela que ele havia transformado em santa imaculada houvesse negado os seus afagos, ninguém em seu lugar acharia justo, ele esteve disposto a devotar sua vida a ela. Ganhou mais uma amiga.
Levantou-se, foi até a cozinha e engoliu um gole d’água, o fez com uma tristeza que até então não existia em goles d’água. Quando já caminhava de volta ao sofá resignado a remoer aquela fossa, o telefone tocou. Era ela. Um, dois, três toques... Segundos vividos por ele como milênios. Relutou com todas as suas forças para não atender. Quarto toque. Ele atendeu.
- Alô. – Uma palavra parida.
- Oi, posso falar com você?
- Por que você está me ligando?
- Posso ou não posso falar com você?
Não. Ela não tinha o direito de interromper a agonia dele, era a única coisa que ele tinha de legítimo. Mas como todo e qualquer covarde, ele fraquejou na hora certa.
- Pode. – Ele havia esquecido todas as outras palavras.
- Eu te devo desculpas?
- Eu é que decido isso?
- ...
- ...
- Quero que você saiba, que gosto muito de você. De verdade! Mas talvez não da forma que você interpretou. Me sinto bem ao seu lado, mas não como sua mulher.

Sua mulher. Que expressão para ser usada naquele momento.

Gosta de mim como seu terapeuta, o ursinho que você conversa antes de dormir. Como não pode carregá-lo com você o dia todo, gasta algum tempo comigo, não? – Pensou ele.
- Entendo. – Disse ele. Seguido do silencio mais profundo que já existiu.
- Bom... Então tá. Tenho que desligar. Beijo. – Disse em uma mistura de constrangimento e Comiseração.
- Tchau... – Esperando que essa fosse a ultima palavra direcionada a ela.
Ela desligou o telefone. Ele escutou por alguns segundos o som do telefone como se fosse parte da conversa. Olhou para o aquário que tinha em sua sala, onde havia apenas um peixe. Olhou seus CDs, seus livros... Olhou para as paredes... Aquele era o seu aquário.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Tempo e espaço

Ele vinha caminhando pela calçada, distraído. Era uma terça feira comum. A rua estava movimentada, muita gente passando, indo trabalhar, estudar, vagabundear, fazer compras, fazer vendas, todo o tipo de coisas que as pessoas fazem em uma terça feira. Alberto havia saído de casa cedo para pagar algumas contas. Não gostava de fazer a barba. Acordava cedo, preparava o café, tomava banho e saia. Sua mulher não incentivava essa prática. Mas com os anos de convivência aprendeu a suportar. Era um bom homem. Gostava de cachorros, livros, música, bebia moderadamente e não falava da vida alheia.
Alberto havia passado em um bar para comprar cigarros. A moça não tinha troco e deu a ele um chiclete no lugar de uma moeda de cinco centavos. Ele tinha uma certa antipatia inexplicável contra chicletes. Mas na falta da bendita moeda, aceitou. Guardou no bolso e seguiu. Na esquina um homem de calça jeans, paletó, gravata e uma cara de quem estava fazendo algo muito importante o entregou um folheto. “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundancia. (João 10.10b)” Dizia o folheto. Alberto não sabia se acreditava em Deus, não havia tido tempo para se questionar sobre esse assunto.
“Será que esse cara tem emprego, família?” Pensou Alberto.
Ainda andando e de cabeça baixa ele continuou a ler o folheto. Olhou para os lados para atravessar, o semáforo marcava sinal amarelo e um carro vinha em sua direção. “Da tempo.” Pensou Alberto. E apressou o passo em uma quase corrida.
Não deu tempo.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A espera

Ficou sentado ao lado do telefone, de cigarro na boca e copo de café. Tinha em mente frases de efeito, chantagens emocionais... Só não tinha espontaneidade para ser sincero como devem ser os amantes. Respirava demais, pensava demais, era um excesso.
O telefone tocou:
- Alô!
- Boa noite, cara. Aqui é o Rubens.
- O que você quer? To esperando um telefonema.
- Quero sua ajuda, poeta. Diz aí um sinônimo pra sexo. To escrevendo um poema pra uma garota.
- Anota aí.
- Pode falar.
- FODA!
E desligou o telefone.
O cigarro, o café e as esperanças se foram com a noite. Quem ele esperava não ligou.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Água fria no rosto e um bom amuleto

Era um belo dia, um daqueles em que a gente acorda atrasado, mal humorado e com uma vontade de mijar desgraçada. Se eu demorasse um pouco mais para acordar, com certeza teria me molhado. Levantei da cama com a cara péssima e fui até o banheiro. Quando estava saindo, com o cabelo mal penteado e os dentes mal escovados, pensei: “Porque eu faço tanta questão de chegar no horário a esse emprego? Na primeira oportunidade sou pisado, humilhado... E nem tenho a desculpa do salário para estar lá. Na verdade o salário seria um bom motivo para eu me demitir. Será que sou masoquista?”
Acordo do meu transe de lamentações com o barulho da água fervendo. Um café talvez me faça bem. Correndo eu tomo o café e como duas bolachas Cream Cracker. Não sinto gosto de nada, acendo um cigarro e caminho até o ponto do ônibus que chega antes do fim do cigarro. Acho bom e péssimo.
Dentro de um coletivo encontramos tudo que alegra, enlouquece, amedronta e mata de ódio um ser humano. Esse não foi diferente.
Duas mulheres paradas em frente a catraca atrapalham a minha passagem. Até que são educadas, não precisei pedir licença duas vezes para elas deixarem o cainho livre. O cobrador se sentia o máximo com a atenção de duas mulheres só para si. Duas que na verdade não dariam uma canela bonita se juntassem as qualidades de ambas. Mas isso é uma questão pessoal, talvez o que importe para ele seja apenas a ausência do elemento pênis.
Eu fazia de tudo para não escutar a conversa deles. Mas não adiantava.
- Olha, essa aqui arranjou um namorado de dois metros de altura.
- É mesmo? – Disse o cobrador interessadíssimo no assunto.
- Ele é lindo. – Disse a dona do namorado.
Tudo bem que ela estava feliz com um namorado de dois metros de altura. Mas era realmente necessário eu ficar sabendo disso?
Por um milagre divino, desses do tipo “transformar água em vinho”, uma pessoa se levantou e eu consegui me sentar. Não era uma bela garota que estava ao meu lado. Mas me contentei com a companhia de uma senhora séria e um tanto calada Era uma viajem normal, dentro dos padrões. É claro. Muita gente apertada, falando alto, mulheres levando seus filhos com amidalite ao médico, os filhos com amidalite vomitando, piadas pornográficas em voz alta, comentários sobre futebol... E a mulher do meu lado, muda. Que benção. Gostaria de estar para sempre ao lado dela, até me casaria com ela. Mas ela estava de aliança. Homem de sorte esse. Será que ela é muda. – pensei. Achei melhor não falar com ela, há pessoas por aí que só esperam uma palavra, um mísero sinal de receptividade para contar suas vidas inteiras.
Durante o percurso o ônibus foi esvaziando e muitos lugares ficaram vagos. Inclusive as tão cobiçadas janelinhas. Mas eu estava muito bem ao lado da minha amiga muda.
Um homem com cara de quem bebeu quando deveria ter dormido sobe no ônibus acompanhado de uma mulher com a cara tão ruim quanto a dele. O homem paga a passagem e os dois se sentam nos últimos bancos.
Os dois começam uma discussão em voz baixa. Essa eu faço questão de escutar. Mas não consigo entender nada. Subitamente ele saca uma arma e grita:
- Foi você quem quis assim!
- O motorista para o ônibus, algumas pessoas gritam, correm... A senhora silenciosa se levanta rapidamente resmungando alguns palavrões e desce do ônibus. E eu sempre pensativo: “Esse cara vai matar essa mulher e todo mundo vai assistir. Vai ser uma festa do jeito que o povo gosta. Mas porque, diabos ele pagou a passagem dela? Será que os homicidas personagens em potencial de Nelson Rodrigues costumam ser gentis com suas vítimas alguns minutos antes do ato?”
A mulher não tinha o menor medo:
- O que você vai fazer? Vai me matar? Porque se for, faça logo. Não pense muito, você pode desistir.
Me impressionei com a frieza da mulher. Depois disso, o que o cara poderia fazer? Tinha que atirar. Ou não. Ou se conformar que era um frouxo.
Desci do ônibus e tomei uma preciosa decisão. A decisão de não ir trabalhar, de ir para casa dormir. Enquanto eu me afastava, ouvia o barulho do homem apanhando e de outros homens gritando coisas como:
- Você bate em mulher. É? E em mim, você não bate?
Atravessei a rua e me sentei em um ponto de ônibus. Acendi um cigarro e logo o ônibus veio. Mas preferi terminar o cigarro.
Quando todos já haviam afirmado suas respectivas hombridades, pararam de bater no homem e se viraram dizendo coisas do tipo:
- E que isso lhe sirva de lição!
A mulher o abraçou e cuidou dele ali mesmo. Era algo realmente romântico.
Peguei o ônibus e fui para casa. Nunca mais vi a senhora silenciosa.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Fugindo do cabresto

Ele caminhava rente ao muro, observava atentamente cada pedaço de tijolo quebrado, cada pichação. Sentia falta de ar. O mundo parecia grande e demasiado hostil para aquela rudez inocente de criança.
Ali dentro, todos tinham enxurradas de respostas para suas perguntas, palavras de esperança para o futuro. Carregavam nas bolsas, maços de cigarros, cartões de crédito, tinham em suas casas, lavadoras de roupas e antidepressivos, livros de auto-ajuda e sorini contra renite... Sentia fome. Uma fome que nada tinha a ver com o estomago. Era fome de vida, coisa que ali não se via comumente. Os olhos compenetrados varriam cada centímetro a sua volta no intuito de não ser surpreendido em ação. Pulou o muro!
Ao se ver na rua, sentiu-se mais vivo. Cumprimentou os amigos, fez graça para um cachorro vira latas. Achou simpática a mancha em volta do olho do cão e sorriu. Um dos amigos lhe perguntou:
- Faltou a aula?
- Sim! vamos jogar bola?