terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A espera

Ficou sentado ao lado do telefone, de cigarro na boca e copo de café. Tinha em mente frases de efeito, chantagens emocionais... Só não tinha espontaneidade para ser sincero como devem ser os amantes. Respirava demais, pensava demais, era um excesso.
O telefone tocou:
- Alô!
- Boa noite, cara. Aqui é o Rubens.
- O que você quer? To esperando um telefonema.
- Quero sua ajuda, poeta. Diz aí um sinônimo pra sexo. To escrevendo um poema pra uma garota.
- Anota aí.
- Pode falar.
- FODA!
E desligou o telefone.
O cigarro, o café e as esperanças se foram com a noite. Quem ele esperava não ligou.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Água fria no rosto e um bom amuleto

Era um belo dia, um daqueles em que a gente acorda atrasado, mal humorado e com uma vontade de mijar desgraçada. Se eu demorasse um pouco mais para acordar, com certeza teria me molhado. Levantei da cama com a cara péssima e fui até o banheiro. Quando estava saindo, com o cabelo mal penteado e os dentes mal escovados, pensei: “Porque eu faço tanta questão de chegar no horário a esse emprego? Na primeira oportunidade sou pisado, humilhado... E nem tenho a desculpa do salário para estar lá. Na verdade o salário seria um bom motivo para eu me demitir. Será que sou masoquista?”
Acordo do meu transe de lamentações com o barulho da água fervendo. Um café talvez me faça bem. Correndo eu tomo o café e como duas bolachas Cream Cracker. Não sinto gosto de nada, acendo um cigarro e caminho até o ponto do ônibus que chega antes do fim do cigarro. Acho bom e péssimo.
Dentro de um coletivo encontramos tudo que alegra, enlouquece, amedronta e mata de ódio um ser humano. Esse não foi diferente.
Duas mulheres paradas em frente a catraca atrapalham a minha passagem. Até que são educadas, não precisei pedir licença duas vezes para elas deixarem o cainho livre. O cobrador se sentia o máximo com a atenção de duas mulheres só para si. Duas que na verdade não dariam uma canela bonita se juntassem as qualidades de ambas. Mas isso é uma questão pessoal, talvez o que importe para ele seja apenas a ausência do elemento pênis.
Eu fazia de tudo para não escutar a conversa deles. Mas não adiantava.
- Olha, essa aqui arranjou um namorado de dois metros de altura.
- É mesmo? – Disse o cobrador interessadíssimo no assunto.
- Ele é lindo. – Disse a dona do namorado.
Tudo bem que ela estava feliz com um namorado de dois metros de altura. Mas era realmente necessário eu ficar sabendo disso?
Por um milagre divino, desses do tipo “transformar água em vinho”, uma pessoa se levantou e eu consegui me sentar. Não era uma bela garota que estava ao meu lado. Mas me contentei com a companhia de uma senhora séria e um tanto calada Era uma viajem normal, dentro dos padrões. É claro. Muita gente apertada, falando alto, mulheres levando seus filhos com amidalite ao médico, os filhos com amidalite vomitando, piadas pornográficas em voz alta, comentários sobre futebol... E a mulher do meu lado, muda. Que benção. Gostaria de estar para sempre ao lado dela, até me casaria com ela. Mas ela estava de aliança. Homem de sorte esse. Será que ela é muda. – pensei. Achei melhor não falar com ela, há pessoas por aí que só esperam uma palavra, um mísero sinal de receptividade para contar suas vidas inteiras.
Durante o percurso o ônibus foi esvaziando e muitos lugares ficaram vagos. Inclusive as tão cobiçadas janelinhas. Mas eu estava muito bem ao lado da minha amiga muda.
Um homem com cara de quem bebeu quando deveria ter dormido sobe no ônibus acompanhado de uma mulher com a cara tão ruim quanto a dele. O homem paga a passagem e os dois se sentam nos últimos bancos.
Os dois começam uma discussão em voz baixa. Essa eu faço questão de escutar. Mas não consigo entender nada. Subitamente ele saca uma arma e grita:
- Foi você quem quis assim!
- O motorista para o ônibus, algumas pessoas gritam, correm... A senhora silenciosa se levanta rapidamente resmungando alguns palavrões e desce do ônibus. E eu sempre pensativo: “Esse cara vai matar essa mulher e todo mundo vai assistir. Vai ser uma festa do jeito que o povo gosta. Mas porque, diabos ele pagou a passagem dela? Será que os homicidas personagens em potencial de Nelson Rodrigues costumam ser gentis com suas vítimas alguns minutos antes do ato?”
A mulher não tinha o menor medo:
- O que você vai fazer? Vai me matar? Porque se for, faça logo. Não pense muito, você pode desistir.
Me impressionei com a frieza da mulher. Depois disso, o que o cara poderia fazer? Tinha que atirar. Ou não. Ou se conformar que era um frouxo.
Desci do ônibus e tomei uma preciosa decisão. A decisão de não ir trabalhar, de ir para casa dormir. Enquanto eu me afastava, ouvia o barulho do homem apanhando e de outros homens gritando coisas como:
- Você bate em mulher. É? E em mim, você não bate?
Atravessei a rua e me sentei em um ponto de ônibus. Acendi um cigarro e logo o ônibus veio. Mas preferi terminar o cigarro.
Quando todos já haviam afirmado suas respectivas hombridades, pararam de bater no homem e se viraram dizendo coisas do tipo:
- E que isso lhe sirva de lição!
A mulher o abraçou e cuidou dele ali mesmo. Era algo realmente romântico.
Peguei o ônibus e fui para casa. Nunca mais vi a senhora silenciosa.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Fugindo do cabresto

Ele caminhava rente ao muro, observava atentamente cada pedaço de tijolo quebrado, cada pichação. Sentia falta de ar. O mundo parecia grande e demasiado hostil para aquela rudez inocente de criança.
Ali dentro, todos tinham enxurradas de respostas para suas perguntas, palavras de esperança para o futuro. Carregavam nas bolsas, maços de cigarros, cartões de crédito, tinham em suas casas, lavadoras de roupas e antidepressivos, livros de auto-ajuda e sorini contra renite... Sentia fome. Uma fome que nada tinha a ver com o estomago. Era fome de vida, coisa que ali não se via comumente. Os olhos compenetrados varriam cada centímetro a sua volta no intuito de não ser surpreendido em ação. Pulou o muro!
Ao se ver na rua, sentiu-se mais vivo. Cumprimentou os amigos, fez graça para um cachorro vira latas. Achou simpática a mancha em volta do olho do cão e sorriu. Um dos amigos lhe perguntou:
- Faltou a aula?
- Sim! vamos jogar bola?

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Nunca foi um flerte

Parado atrás da parede, ele a observa fascinado e em completo estado de agonia. Não há uma palavra em todo o seu vocabulário que seja pronunciável naquele momento. Era como se aquilo que adentrava suas pupilas fosse muito mais do que luz, mais que imagem. Aquela cena lhe parece distante, sem possibilidade de interação. De dentro daquela alma tão pequena ele a observa como se observa uma foto, vê em seus gestos uma leveza enorme em lidar com pessoas, uma leveza que ele nunca teve nem nunca terá. Como agiria ao lado daquela garota tão simpática, extrovertida e cobiçada? Não fazia a menor idéia. Nem tinha esperanças de que um dia pudesse estar ao lado daquilo. - Para ele já era AQUILO, já havia perdido a forma humana.
Ainda parado ele pensa em prender a respiração até morrer, pensa em qualquer idiotice que o fizesse esquecer aquela distancia que ele mesmo havia criado entre ele e aquela que mesmo de longe se tornou tudo o que há de sagrado em sua vida.
Retomou a sua quase razão cotidiana e continuou a caminhar lentamente. Com um sorriso mais triste que a maioria dos choros que se vê por aí. Discretamente lançou a ela um cumprimento, o mais tímido e desajeitado que encontrou. E continuou caminhando sem ter coragem de olhar para saber se foi correspondido.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Invisível

Ele desce as escadas um tanto apressado, suas mãos vão escorregando pelo corrimão, o atrito causa um pouco de calor e suor, a respiração levemente acelerada, o coração acompanhando o ritmo do resto do corpo facilmente. Qualquer pessoa vive algo assim, a vida não parece tão difícil pra ele.

Ao sair do prédio, caminha até a padaria na esquina e pede um café. Ao seu lado um senhor caçoa do balconista pela derrota de seu time na noite anterior. É quinta feira, o pós-futebol. No alto, acima de um refrigerador de uma famosa marca de cerveja, uma televisão exibe um telejornal matinal. Coisa difícil de digerir com café e pão de queijo. Um ex-famoso tenta se suicidar, um velho bigodudo abusa sexualmente do sobrinho, um médico bêbado atropela e mata uma menina de dezessete anos que sonhava em ser fisioterapeuta...

- Acho que é melhor esquecermos o dia de ontem. Não aconteceu nada de bom. – Ele diz. Ninguém lhe da atenção.

Ele vai até o balcão, paga o café e vai trabalhar.